1 de jul. de 2010

O tempo existe e devora


E não eu não vou me esquecer, do bonito que nos fomos. Nem de como você me acolheu nos seus braços no momento da minha partida, a sua espera pelo meu ônibus e a minha persistente tentativa de lhe entregar aquela carta, naquela madrugada de chuva forte, até parece que o mundo estava prevendo o que aconteceria tempos depois.
Mais hey,leia a carta, ela ainda tem sentido pra mim, e mesmo que agora distantes, entenda, que as palavras nunca perdem total sentido, tem sempre uma verdade invariável.
Não, minha memória não apagará a minha espera de sua chegada, quieta no banco da rodoviária ouvindo aquele Jota Quest insistente “hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito”, essas coisas não se esquecem, eu te esperava com fulgor.
Nós e nossos tombos. Como não lembrar, do dia que te fiz filho meu, cuidando da sua ferida, da sua dor. Carregando-te nos ombros e lavando seu sangue, olhando ao longe sua cara de menino pequeno ao ver uma agulha, e te mandar boas vibrações, que bom que no final deu tudo certo. Eu te cuidei por todo nosso tempo. Te cuidei dentro de mim, cuidei tanto que você era às vezes mais saudável que eu.
A gente se reconheceu de longa data quando se viu pela primeira vez na vida.
E não, não vou deixar de lembrar do teu abraço que encaixava no meu, do carinho teu no meu longo cabelo, de você reclamando da fuga dos meus olhos e eu justificando que era porque você me olhava devagar, já que nessa vida muita gente já me olhou depressa demais, da nossa cantoria, do seu violão, da sua cara de espanto quando eu dizia que minha mãe estava vindo, da sua falta de graça em cumprimentar o povo lá de casa, do seu azar em apostas comigo, da sua dívida que ainda não pagou, dos meus olhos que enchiam de alegria quando você estava pra chegar, do seu sorriso lindo, das nossas lutinhas que acabavam sempre comigo nocauteada, de como você me irritava apenas para ver minha cara nervosinha, de como você dizia coisas que me deixava com vergonha, só para ver o pimentão surgir do meu rosto,das nossas despedidas intermináveis no portão lá de casa, dos cães que nos apavoravam, de tudo isso que só de andar por aí se tornaram importantes e memoráveis.Não me esqueço o dia em que não fizemos nada, nada mesmo, parados, nos olhando como cúmplices, rindo a esmo, abraçados, olhando a janela. O futuro passeava pela janela. Talvez tenha me visto de mãos dadas com você na velhice ou na infância. Não importa em que tempo estávamos. No nosso idioma, as pequenas gentilezas como amarrar os cadarços um do outro, eram suficientes para nunca esquecer os dias.
Enfim, desculpa pela covardia de não te mandar todas as outras cartas, é o medo do julgamento que me atormentava. Mas com toda coragem que pode haver em mim hoje, digo para você que continue iluminando por ai , que não deixe de dar notícias porque tudo que vai, vai por algum motivo, mas tudo o que fica, fica por vários motivos. Eu continuo te zelando. A gente ficou guardado nessa caixinha de música, eu bailarina e você o soldado de chumbo. Te cuida. 
Te guardo,te rejo, te ilumino, amém.

Um comentário:

Anônimo disse...

lido, com um sorriso imenso no rosto... te espero em breve!